Arte pública, luta do povo!

Dia 14 de abril, a OCC-MS (RECC/FOB) realizou debate na UFMS com artistas e trabalhadores do ramo da Cultura, atividade que também contou com a presença de estudantes de cursos variados e secundaristas, professores e apoiadores do movimento “SOS CULTURA”. A mesa foi composta por representantes de setores e linguagens diversificados, tal como teatro, audiovisual e artes plásticas/artesanato. Agradecemos a participação dos presentes e reafirmamos nosso apoio à luta popular pela Arte Pública, ao lado do movimento “SOS CULTURA”.

Antes de tudo, salientamos a necessidade dos estudantes e respectivas entidades de base (grêmios e centros acadêmicos, CAs) e demais representações estudantis incorporarem as pautas elencadas pelo “SOS CULTURA” e atuarem junto ao movimento. Pautas estas que não se limitam ao tão habitual corporativismo sindical, mas abarcam áreas como Saúde, Educação, Infra-estrutura Urbana, Moradia, Diversidade, Liberdade Religiosa e etc.

Entretanto, lamentamos, especificamente, a ausência das entidades representativas dos estudantes dos cursos de Licenciatura em Música e Artes Visuais (UFMS) e de Artes Cênicas e Dança (UEMS) na atividade. Não apenas pela pertinência temática (Cultura e Arte) do debate, mas porque é obrigação política do Movimento Estudantil debater carreira e as condições de trabalho que os estudantes encontrarão adiante – além de, obviamente, organizar a luta por condições dignas de estudo.

A OCC-MS, além de apoiar o movimento “SOS CULTURA” pela justeza das pautas, tem especial interesse em compreender como estão se dando as experiências auto-organizativas dos artistas, pois estes acabam, indiretamente, por evidenciar uma lacuna do movimento sindical, em geral: a desorganização de categorias e setores contratados sob formas jurídicas precárias. Ainda, tal experiência que observamos se dá a partir da organização por ramo e setor, e não nas modalidades corporativistas por função estrita. Tudo isto, dialogando dinamicamente com os interesses populares!

O Sindicalismo Revolucionário (estratégia defendida pelo FOB) tem como tarefa atual superar o obreirismo e a fetichização do “sujeito revolucionário” e organizar os setores preteridos por aquela esquerda apartada da realidade, que se recusa a admitir esta conjuntura de reestruturação produtiva e, por conseguinte, se adaptar às novas demandas.

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O que debatemos?

Alguns dos pontos debatidos na atividade foram: estratégias de luta, necessidade de associação e articulação entre os movimentos de massas; compromisso social do artista; compreensão e defesa do “Público”, em oposição e combate às políticas veladas ou explícitas de privatização; privação de uso do espaço público e luta pelo direito à cidade; organização de categoria e classe.

A privação do acesso aos espaços públicos (praças, por exemplo) via medidas burocráticas, como o registro e credenciamento, e taxações sobre artistas e grupos culturais de rua também é uma política privatista e, mais ainda, antipopular e elitista. Isso ocorre em diversos municípios e, especialmente, em Campo Grande. Tão elitista e antipopular quanto, é a ausência de fomento para circulação contínua e cotidiana dos espetáculos, festivais e mostras e etc nas periferias.

A luta das/os artistas é a luta do povo!

Os debatedores salientaram que é um equívoco circunscrever a luta à própria categoria. Certamente, é legítimo lutar por melhores condições de trabalho, que garantam a sobrevivência digna do artista. Como A OCC-MS já afirmou em texto anterior, artistas são, quase sempre, trabalhadores sob contratação precária, temporária, sem seguridade social e insuficiente respaldo sindical.

Porém, o que está posto é o “o exercício pleno dos direitos culturais e o acesso público à Cultura” para toda a população. Com o acúmulo de mobilizações e tensionamentos com o Estado, garantiu-se alguns marcos legais que resguardariam tais direitos, em alguma medida. Mas, nunca houve a execução efetiva e total de nenhum destes.

“Não negociar Direitos”, sejam positivados ou tácitos, é a orientação política assumida pelo movimento, afirmaram alguns dos debatedores. Em tempos de negação e retirada de direitos e de míngua das políticas sociais, torna-se obrigatório não recuar, não transigir – resistir e lutar pra garantir!

A “crise” na gestão municipal

É preciso situar que o embate dos artistas e trabalhadores do ramo da Cultura campo-grandenses com a prefeitura não está isolado. Outros setores – e respectivas pastas – experimentam a “crise” na gestão municipal. Mas, que crise é essa? É a instabilidade gerada por um conflito intraclasse (burguesa/latifundiária) – o mesmo conflito intraclasse que resultou na cassação do prefeito “regularmente” eleito, Alcides Bernal (PP), e que gera “instabilidade política” no atual executivo municipal e tensões entre este e a Câmara dos Vereadores.

Se o anterior foi deposto sob acusações de improbidade administrativa e corrupção (contratos “emergenciais”), o atual (Olarte) encontra-se envolto em denúncias equivalentes, além de relações com uma rede de exploração sexual de menores (pedofilia), suspeita de uso de instituições religiosas para praticar “lavagem de dinheiro”, nepotismo cruzado, “cupinchagem” e tantos outros escândalos que emergem semanalmente. Resulta, disto, problemas como: falhas na infraestrutura, operação tapa-buracos que não foi efetuada, mas sugou verba suntuosa; uso de verba pública para fazer proselitismo religioso e beneficiamento/contratação de fiéis de cultos afins; corte de plantãoes de enfermeiros e atraso nos repasses para a Saúde;  atraso na entrega de uniformes e material escolar, sucateamento das escolas; aumento do valor da tarifa de transporte coletivo (ônibus); e etc.

Além destas, são algumas das pautas da Cultura: imediata aplicação de 1% da arrecadação municipal, anualmente, conforme previsto na Lei Orgânica do Município; repasses, do FMIC e Fomteatro, pagamentos de cachês atrasados. Publicação dos editais destes fundos para o ano acorrente; reativação e/ou revitalização de espaços públicos, tal como o Paço Municipal.

Não há “crise” para os exploradores sexuais, empreiteiros, gestores de empresas-seitas, agiotas e latifundiários. Há um conflito de interesses e disputa de privilégios entre os inimigos do povo. A crise é a rotina da população campo-grandense! A classe trabalhadora, os diversos setores populares, deve se organizar e enfrentar nossos inimigos. Mas a contradição não é entre o prefeito anterior (e seus apoiadores) e o atual e comparsas – a contradição é entre eles e o povo trabalhador!

 

Mas, e os sindicatos de artistas?

Assim como ocorre com as outras categorias, as representações sindicais estão tomadas por burocratas a serviço de interesses que divergem dos da classe trabalhadora. Da mesma forma, ocorre um distanciamento entre a base e os dirigentes. A estrutura sindical, tutelada pelo Estado, enquadra esta e todas as outras categorias nos limites da barganha legalista.

Especialmente nestes casos de organização sindical de categorias majoritariamente composta por precarizados, é corriqueira a “representação sindical” do tipo colaboracionista – aquelas que negociam em favor das entidades patronais, de forma mais ou menos dissimulada. É preciso impulsionar a criação de oposições sindicais submetidas à categoria e aos interesses da classe trabalhadora, inteiramente independentes da burocracia e das patronais.

Como funcionam os colegiados setoriais de Cultura?

Em tese, reproduzem uma estrutura federalista, de baixo para cima. Os delegados de base são eleitos pelos seus pares em assembleias de categoria ou setor. Alguns colegiados por município, estado ou região chegam a ter relativa autonomia política em relação ao governo federal, mas limitados pelos executivos estaduais e municipais, via respectivos conselhos paritários.

Agrava-se que, numa dimensão nacional, a autonomia relativa é anulada – pois o colegiado nacional passa a pertencer ao Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC, de composição partitária, ou seja, “sociedade civil” e Estado). Nessa instância, os colegiados são “engolfados” pelo Estado e submetidos ao Ministério da Cultura, que tem poder de veto. Passam a ser meros proponentes de políticas que se transmutam, via de regra, em protocolos de “intenções” que não se concretizam.

Não é admissível que estrutura tão complexa, ampla e enraizada seja apenas uma instância consultiva, uma alegoria “democrática”. Ainda menos admissível, que tal estrutura seja ignorada pelo governo federal, que veio compor as mesas de negociação e readequação de políticas para a Cultura com representantes biônicos ou sem legitimidade junto às bases.

 

Orçamento público e gestão popular com independência política!

É preciso que os artistas estejam atentos, que os colegiados não se tornem palco do oportunismo. Mas, defendemos a manutenção da dinâmica de colegiados. Porém, como formuladores de políticas e gestores do orçamento público para a Cultura – com autonomia política em relação aos governos, dado que é instância organizativa da classe. E, ainda, alertamos para o frequente problema de cooptação e aparelhamento de tais instâncias.

Esta mesma solução é a que defendemos para todos os demais serviços essenciais e que, recorrentemente, tem sido apresentada pelos grupos mais avançados que atuam em defesa do transporte (verdadeiramente) público e coletivo, por exemplo.

Alguns problemas e limites das políticas públicas para a Cultura

De forma geral – em âmbitos municipal, estadual e federal – os artistas encontram grandes dificuldades para se adequarem às exigências burocráticas dos editais, quão mais os artistas de comunidades tradicionais que não atuam na dimensão formal. De tal modo que, concomitante à profusão de editais, surge uma verdadeira máfia de produtoras. Empresas privadas que, instrumentalizadas da linguagem jurídica, capacitadas para a lide burocrática e praticantes do mais pérfido lobby, concentram projetos dos mais suntuosos e abocanham percentual considerável da verba destinada a estes. Resulta que os projetos contemplados por fundos públicos têm cada vez menos qualidade artística e comprometimento social e cada vez mais adequação formal.

Ademais, é preciso ir além e rejeitar a lógica privatista por trás da maioria dos editais de fomento – que impõe que os artistas atuem como concorrentes, disputando verbas eventuais entre si, assassinando o sentimento coletivo que permeia a subjetividade artística. Ao invés de ocorrer repasse direto de verbas públicas para os grupos culturais, há repasse indireto destes valores para grandes empresas privadas, na modalidade de “renúncia fiscal” pelo Estado.  Isso ocorre quando uma empresa “patrocinadora”, além de cometer ingerência sobre a execução dos projetos culturais, usa e abusa da “contrapartida publicitária” sobre estes e ainda é contemplada com isenção fiscal.

É necessário, também, regionalizar os editais – mesmo aqueles com fundos nacionais – de forma a contemplar as especificidades culturais de cada região. E, justamente para se combater a precarização do trabalho do artista, é preciso rever a legislação contratual (de grupos, cooperativas ou indivíduos) quando estes “prestam serviços” para o Estado.

Formalmente, nenhuma política para a Cultura poderia passar sem a consulta dos colegiados setoriais. Ocorre que os colegiados nem sequer são consultados ordinariamente, como sequer o “direito à consulta” é garantia de execução de quaisquer pautas. Entretanto, nenhuma mudança significativa em favor dos artistas e trabalhadores da cultura será garantida se, simultaneamente às reivindicações, estes não fortalecerem suas estruturas auto-organizativas. Para isso, urge capilarizar a organização e incorporar segmentos diversos, ganhando respaldo popular.

Avaliação da OCC-MS  do processo de luta dos artistas campo-grandenses

Como bons companheiros, não dissimulamos as críticas. É no próprio movimento, na ação, que as contradições emergem – e é no fluxo da luta que os problemas são depurados e que os métodos são aprimorados. Dito isto, apontamos que toda tendência institucionalizante é perniciosa. Afirmamos não por sectarismo ou por infantilidade. Muito pelo contrário. Pois a correlação de forças, sim, é desproporcional e dentro da maquina burocrática serão triturados pelas engrenagens. Quando a luta se encerra nos gabinetes, morre nas negociatas.

Sabemos que é natural associar a luta dos artistas à ludicidade e tal abordagem é muito apropriada para angariar apoio popular. Porém, ludicidade não intimida prefeito! Será com táticas combativas em aliança com outros setores populares e frações proletárias, como a interrupção da maquina burocrática e da circulação de mão de obra e mercadorias, que conseguirão fazer com que os gestores do município se sintam pressionados.

Lembrem-se do compromisso coletivo, social, que assumem enquanto difusores do pensamento crítico. Os inimigos do povo (dos povos indígenas, dos camponeses, dos periféricos e etc.) são inimigos vossos também – em que pese todo discurso demagógico e oportunista em apoio à luta dos artistas. Não se esqueçam de que as mesmas legendas que montam nas costas do movimento com a finalidade de autopromoção, são as legendas que no âmbito estadual estão sucateando a cultura e enxugando as verbas para a pasta, aquelas que promoveram a mesma política de sucateamento quando assumiram gestões consecutivas da Cultura em âmbito municipal.

E que o atual corpo da vereança foi o mesmo que colaborou com a deposição do prefeito anterior: é uma disputa intraclasse (entre grupos comprometidos com a burguesia e com os “coronéis”) e a luta do artista é a luta do povo. Destituem um, aparece outro. Tenham em mente que o município incrementou o orçamento da Guarda Municipal e a submeteu a treinamentos específicos para a contenção de manifestações políticas. E é a mesma Guarda Municipal que reprime com truculência grafiteiros, malabaristas e artesãos (também artistas!). É a guarda garantidora da ordem fundamentalista imposta pela atual gestão municipal, está a serviço dos nossos algozes.

Saudamos o “SOS CULTURA” pela construção assemblearia, democrática, das pautas e pelo esforço em constituírem aliança com outros setores do povo, da classe trabalhadora – e garantimos que o sucesso desse intento se deu exatamente porque os artistas da cidade se mostraram solidários às lutas de outras categorias e frações do proletariado. A combatividade deste movimento e o exercício da independência política têm encorajado outros setores, fazendo do “SOS CULTURA” referência não apenas no município e no estado. Inspiram-nos a lutar!

 

ARTE PÚBLICA, LUTA DO POVO!

NÃO NEGOCIAR DIREITOS! LUTAR PARA GARANTIR!

AVANTE, ARTISTAS DO POVO!

EVOÉ! BRAVO!

 

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